domingo, maio 21, 2017

As discotecas na URSS na era das proibições (20 fotos)

Discotecas sempre existiam na União Soviética, embora a palavra começou ser empregue desde o início da década de 1980. O local servia de montra de status, onde os jovens mostravam a sua melhor roupa e calçado, tentavam arranjar algum namoro, evitando o assédio (elas) ou violência (eles).
As repressões em massa e as guerras das décadas de 1930-40, atingiram, primeiramente,
os homens, as mulheres são obrigadas à dançar com outras mulheres
02. Nas décadas de 1940-50-60 nos locais de danças (uma espécie de matinés dançantes) tocava a música ao vivo, a atmosfera parecia com os bailes clássicos — homens e mulheres se juntavam separadamente, as danças tinham os nomes e seguiam em uma determinada ordem, anunciados pelo apresentador. Também aconteciam as “matinés nos apartamentos”, quando as pessoas convidavam os amigos para dançar, ouvindo o gira-discos.
Os militares soviéticos e ocidentais numa matiné soviética, década de 1940
As matinés eram organizados em Casas e Palácios da Cultura, clubes desportivos, no tempo quente nos parques públicos, sob o céu aberto. A entrada geralmente custava 50 copeque, para que os mais atrevidos não pulassem o murro sem pagar, este era untado com óleo queimado. Além disso, nos locais estava presente a milícia de segurança pública que zelava pela segurança do evento. Outro problema era a violência, as meninas iam para a discoteca em grupos para evitar assédio (que podia acabar mesmo em estupro), os rapazes iam obrigatoriamente em grupos, pois não era nada raro os eventos acabarem em pancadaria, iniciada pelos rufias locais contra os “forasteiros”, aldeia contra aldeia, bairro contra bairro. Não havia (e nem podiam existir) os clubes e locais especializados só para dançar. Os homens e mulheres soviéticos deveriam construir o comunismo, danças eram toleradas, mas não mais que isso.

O filme soviético “Pequena Vera” (1988), filmado na atual cidade ucraniana de Mariupol:

03. No fim da década de 1970 nestas matinés tocavam as bandas (oficialmente chamados de VIA: “conjunto vocal-instrumental”) que copiavam, de forma semiclandestina, o pop-rock ocidental. A música ocidental não era bem-vinda na União Soviética, várias bandas e cantores eram proibidos (por exemplo, Julio Iglesias, ainda em 1985 era acusado na URSS de propagar o “neofascismo”!)
Década de 1970, mini está na moda
Como tal, os VIA, tocavam os ritmos ocidentais, por vezes até usavam os “looks” bastante ocidentalizados, mas os seus textos eram ideologicamente próximos à propaganda soviética (“te conheci num campo de flores, apaixonamo-nos e fomos juntos trabalhar numa obra de construção civil”) ou, então, absolutamente neutros (“por uma semana, até o dia dois, vou viajar à vila do sol”).
Na foto podemos ver o clássico conjunto musical (VIA) da década de 1970: cabelos compridos à “The Beatles”, calças “boca-de-sino”, as golas de camisas colocadas por cima das golas de casacos. Na URSS praticamente não existiam os instrumentos musicais de boas marcas, tipo Fender ou Gibson (eram comprados pelos Estado apenas para os artistas, pertencentes à elite musical soviética), por isso os VIA locais usavam os instrumentos fabricados nos países socialistas, cmo Iolana checoslovaca, Musima da RDA, as guitarras soviéticas, conhecidas no meio como “pás”, “remos” e “lenha”. Os rapazes na foto em cima usam este tipo de instrumentos: o baixista está com Orpheus búlgaro de quatro cordas, vocalista tem Ural-650 soviético, 2º guitarrista alguma coisa parecida com guitarra semi-acúsctica de 12 cordas, produzida em Leninegrado.
As composições, mesmo as ideologicamente aprovadas, eram escritas pelos bons compositores, o teor dos textos não se escutava muito por causa da má qualidade do som, como tal, a música era consumida sem, realmente fazer grande diferença em termos de propaganda.
Os VIA tocavam nos matinés, nos restaurantes, ganhavam muito dinheiro nos casamentos, onde em 2-3 dias de atuação recebiam 400-500 rublos (677-847 dólares ao câmbio oficial da época), quase 6 salários mínimos, equivalente ao salário de um professor catedrático numa universidade soviética.

A discoteca na URSS, cidade de Ufa, maio de 1989:

04. As discotecas propriamente ditas começaram surgir no início da década de 1980, algumas fontes apontam Letónia como o local, onde foi aberta a primeira discoteca legal na URSS. O que pode ser perfeitamente verdade, pois os Países Bálticos: Letónia, Lituânia e Estónia sempre eram pioneiros de introdução dos conceitos novos e liberais na sociedade cinzenta soviética.
VIA à tocar num parque público, década de 1980
A principal diferença entre matiné dançante e discoteca estava na ausência da música ao vivo e na presença do DJ (nas altura se dizia “disc jockey”), por vezes com o seu ajudante, que eram responsáveis pelo repertório. O disc jockey ocupava uma mesa separada (se discoteca decorria no restaurante) ou tinha um local próprio. Usavam-se os discos LP ou bobinas, mais tarde os cacetes. Se eram usadas as fitas, disc jockey geralmente tinha dois gravadores — um tocava e no outro era preparada a composição seguinte. Por vezes os disc jockey tentavam passar alguma informação sobre as bandas à tocar, tudo retirado de alguma revista juvenil soviética como “Rovesnik” (Contemporâneo). Por vezes eram organizados os concursos, pausas aproveitadas pelos mais atrevidos para ir fumar.   
"Moradores de Tomsk! Celebraremos de forma digna o 100º aniversário do Lenine!"
(atual cidade russa de Tomsk, 1970)
Os bons disc jockey usavam as consolas de realizadores de som (como “Eletrônica” da série PM) – o som era possível reproduzir quer em colunas gerais à pensar no público, quer em fones de ouvido (este canal no controlo era assinalado como “telefones estéreo”). Além disso, o controlo permitia iniciar as músicas, uma após a outra, quase sem as pausas, usando o controlo de volume – uma função muito útil.

A mesa do disc jockey na década de 1980:

05. Uma foto muito boa da mesa do disc jockey bem cotado da época. Podemos ver dois gravadores de bobinas (algo como “Saturn”, “Astra” ou “Mayak”), na mesa à direita dois gravadores de cacete, algo como “Vilma-102 estéreo" — na altura chamados de “gravador-extra”. Não se sabe o que está na mala na cadeira, possivelmente o comando de luz, a chamada “música-luz”.
As colunas em ângulo (de dois tipos, do campo próximo e mais afastado) – eram usadas para que disc jockey poderia ouvir o som que tocava na sala. No pescoço do disc jockey estão os fones de ouvido (os tais “telefones estéreo”). Amizade com disc jockey era muito importante, receber um cumprimento do aniversário ou conseguir que toquem a música predileta era visto como algo quase celestial.

06. A mesa do disc jockey muito mais simples — provavelmente a discoteca estudantil.

07.  A música tocada era uma mistrura de rock-pop ocidental com os cantores oficiais soviéticos, casos de Alla Pugacheva ou Veleriy Leontiev. Com início da Perestroika, a censura soviética foi afrouxando gradualmente e então as discotecas começaram tocar quase totalmente as composições ocidentais: ABBA, Modern Talking, CC-Catch, Boney M., Dschinghis Khan (em 1985 na URSS ainda era considerado como veículo de propaganda de “nacionalismo e anticomunismo”), Eruption, Bad Boys Blue, Sandra, Ottawan, Arabesque, cantores italianos Toto Cutugno e Adriano Celentano. Nos últimos anos da existência da URSS se tornam populares as bandas como Depeche Mode, Pet Shop Boys, Erasure.

Dschinghis Khan, Moskau (1979):

O programa musical era formado por 4-5 músicas rápidas e depois seguia um “slow”, durante qual era possível convidar à dança uma menina que caísse no olho ao passar as músicas rápidas. O “slow” era novamente seguido pelas composições rápidas. Quase obrigatoriamente existia a “dança branca”, em que as meninas podiam convidar os rapazes.

08. “Slow” numa discoteca na escola, década de 1980:

09. O dress code. Quer os rapazes, quer as meninas queriam mostrar-se da melhor maneira possível, por isso vestiam tudo do melhor que tinham. Quando discoteca era organizada pela juventude comunista Komsomol, então não eram bem vistos os cabelos longos em homens, as roupas ocidentais de moda e geralmente o look considerado “hippie”. Por vezes, na entrada estavam os responsáveis que mediam o cumprimento dos cabelos dos rapazes e a largura das suas calças. Quem tiver o cabelo demasiadamente cumprido ou calças demasiadamente largas para os padrões soviéticos, não eram permitidos à entrar. No entanto, com início da Perestroika essas limitações, se não desapareceram completamente, diminuíram bastante.
Década de 1970
Início da década de 1980 (moda de outono-inverno)
Fim da década de 1980
Nas décadas de 1970-1980 os fashionistas, indo para a matiné dançante e depois para a discoteca tinham a aparência das fotos em cima. Há também a foto com as regras do “código de vestimenta”, uma certa administração não permite a entrada de calças jeans.
"Entrada de JEANS ao local dançante é PROIBIDA!"
"Dançar em roupas operárias e desportivas é proibido. Dançar de uma forma distorcida é proibido.
O dançarino deve efetuar a dança de forma correta, clara e de maneira boa, com o pé direito e esquerdo.
Fumar e rir se deve nos locais apropriados". 
10. Perto do final da década de 1980 os frequentadores das discotecas adquiriram o look parecido com na foto em baixo. Aqui podemos ver as roupas ocidentais, conseguidas através da fartsovka (muitas fezes com tamanhos acima de necessários), sapatilhas/tênis com velcro, cabelo permanente e maquilhagem brilhante. Agora tudo isso parece bastante engraçado, mas naqueles dias estas meninas eram consideradas súper-fashionistas, desejadas ardentemente por todos.

11. Atualmente, as discotecas como uma forma especial de recreação praticamente desapareceram, as pessoas dançam em clubes profissionais, com o equipamento e programa de entretenimento apropriado. “Os matinés dançantes” ainda sobrevivem em algum interior profundo, em forma parecida como na foto (na foto em baixo: a discoteca algures na Rússia, década de 2010):
Fotos Internet | Texto @Maxim Mirovich | @Ucrânia em África

Bónus

Início da década de 1990, algures na Ásia Central pós-soviética. Os homens e mulheres dançam sem tirar os seus goros de pele (senão os podem roubar); hit dos hits de momento “American Boy” (1991):

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