quinta-feira, janeiro 12, 2017

A vedação. 2015 (O resgate do “mundo russo”)

– Mishka, deves, mas é, arranjar a vedação!
O sol está em declínio. A mãe rega a horta / roça de mangueira, olha para o seu filho. Ele – um tipo forte e de face redonda, de cerca de trinta e cinco anos, está sentado na soleira da casa, mastiga um pedaço de relva / grama, e de forma sonolenta e feliz olha às penas ruivas de nuvens, espalhadas largamente por cima da aldeia.

– Mishka, ficaste surdo, ou quê?
De repente, uma das tábuas de vedação é afastada, rangendo, atrás dela entra algo rosado e sujo. Mishka levanta as sobrancelhas em forma de surpresa. A tábua cai, e no quintal se introduz rapidinho o porco vizinho.
– Vai te embora daqui!

Mishka tem preguiça de se levantar, ele apenas abana com a mão com desgosto. Mas o porco é magro e rápido, ele apenas se esquiva, para e olha ansiosamente à roça alheia. O seu dono é descuidado, gosta de beber, o alimenta mal. Então o animal está procurando que Deus lhe enviará.

A mãe repara no porco, pega um galho, corre atrás, o porco corre pela roça. Atinge algumas cabeças de repolho. Mishka finalmente se levanta, abre o portão e o porco corre para a rua.

– Eu lhe disse, é preciso arranjar a vedação! – se irrita a mãe.
– Vou arranjar, depois. – canta Mishka.

A vedação foi feita ainda pelo pai falecido e quando Mishka foi cumprir o serviço militar obrigatório a vedação já precisava da reparação. Mishka queria, então, afixar umas tábuas, substituir um par de estacas, mas ai foi à farra dos recrutas. Voltou, já lá vão uns quinze anos, e a vedação vai se degradando.

Está ficando escuro. A mãe entra em casa para fritar as batatas. A frescura da tarde é revigorante. Mishka decide fazer uma visita ao quintal do vizinho. Sem nenhuma razão especial. Ele empurra a placa e se aperta em um bueiro.

De repente, vê na varanda as botas quase novas de lona, ​​leva-os automaticamente e volta ao quintal. A porta está entreaberta. Se oiça o murmurar da TV. Mishka entra na casa. A televisão é única entre as dez casas, outros também tem os aparelhos, mas estão quebrados e não há mestre para os reparar. Agora, uns vizinhos os visitam “à televisão”, como dizem por aqui.

Mishka entra na sala. No sofá estão sentadas várias mulheres velhas, incluindo a sua mãe. No tapete tecido à mão está sentado o neto de uma das convidadas – o bebé careca de um ano com uma T-shirt branca.

As mulheres esticaram os pescoços, olhando às imagens – todos elas com as suas almas e corações estão lá. Mesmo o bebé, com a boca aberta, vê as notícias, a saliva está pendurada no seu lábio inferior.

Na tela – um prédio em chamas, as pessoas, em camuflagem, correndo.

– Estamos ver o que se passa com os ucranianos. – Explica a avó Sima, sem se virar.
– Na Novaróssia. – Esclarece Mishka. – Mais uma vez estes demónios estão bombardear os nossos.

Da cozinha cheira o queimado, mas ninguém presta atenção, até que o quarto se enche da fumaça.

– Estamos se queimando! – Salta avó Sima.
– Mãe, se queimaram as batatas. O que lá se passa com os ukros, com os ukros! Cacete! – Grita Mishka, percebendo que ficou sem a janta.
– Então, dá cá uma pena pelas pessoas, filho. Os russos sofrem lá. Os fascistas crucificam as crianças. - As velhas vão, levam o bebé chorão.

Na tela aparece um gajo barbudo e começa com tristeza e firmeza falar sobre o destino pesado da Santa Rússia.
Mishka traz os tomates da roça e começa os comer com pão, olhando à tela. Aos poucos, deixa de mascar e oiça com um olhar fixo, como se fosse encantado. De repente a sua própria vida começa lhe parecer pequena e insignificante em comparação com a escala de eventos. Ele coloca do lado o tomate e a fatia do pão.

O politólogo explica com entusiasmo que ao povo russo não chega o conforto quotidiano, quando sabe que algures alguém está sofrendo. O que o russo sempre está sedoso da justiça. Que o seu destino é combater o mal.

Na alma do Mishka renasce o sentimento há muito esquecido, infantil, entusiasta, brilhante – sede de se apressar à algum lugar, fazer algo, salvar alguém, e para que tudo em seu torno mude de tirar o fôlego. Vinte anos atrás, quando na aldeia ainda funcionava o clube, projetando os filmes sobre a guerra, com o tal sentimento Mishka saia do cinema. Esse sentimento foi lhe devolvido pelo politólogo barbudo.

Mishka salta, vai ao quintal – tudo ao seu redor lhe parecia cinzento, detestável. A horta, galinhas, a pilha de madeira. A vedação torta. Que importa a vedação agora? Quando algures os nossos levam dos ukrofaxistas. Vendidos à América! Não há Estaline para eles!

Mishka volta para a casa e começa correr freneticamente, colocando os seus pertences em uma mochila que pensava usar na pesca. Jogou fora um pote de minhocas vermelhas gordas, e elas, alegremente se espalharam pelo chão.

Mishka jogou no chão as roupas do armário e rugiu irremediavelmente:
– Mamãe, onde estão as minhas meias?

Mãe veio correndo, começou preparar Mishka, lamentando:
– Mas à onde, você está indo, nessa hora da noite?
– Para a Novaróssia! Me dá o dinheiro para a passagem. Só de ida.

Vestido a camisa limpa, embora amassada, os jeans cozidos às pressas e calçando as botas roubadas – Deus seguramente perdoará pela causa sagrada, Mishka salta fora dos portões, os bate com tanta força que a vedação cai rangendo para trás, por cima das urtigas. Se abre a visão da casa velha e indefesa, o quintal cheio de lixo e das galinhas assustadas. Mishka se vira, suspira, dá um passo para trás, como se quisesse voltar. Mas é um mau presságio. E abanando a mão, ele rapidamente se afasta pela estrada poeirenta à resgatar o mundo russo.

Ler original da escritora russa Maria V. Strukova.

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