sexta-feira, novembro 18, 2016

“28 homens de Panfilov”: a desmistificação da mitologia soviética

Imagem: a sequência do filme «28 homens do Panfilov», lançado na Rússia em 2016
O mito dos «28 homens de Panfilov» é um dos mais conhecidos mitos soviéticos de toda a II G.M. – a morte heróica dos 28 combatentes da 316ª Divisão do RKKA. Ação que nunca aconteceu e foi inteiramente inventada pela propaganda soviética.

Na mitologia soviético estes militares durante horas resistiram aos blindados do Wehrmacht, queimando 18 tanques e acabaram por morrer todos. A frase do comissário Klochkov, alegadamente dita aos seus soldados: «a Rússia é grande, mas não há para onde recuar – atrás está Moscovo!», era conhecida por cada estudante soviético. Até que em abril de 2015, o Diretor do Arquivo Estatal da federação russa, Sergey Mironenko contou ao jornal russo «Kommersant», citando os documentos de arquivo que na realidade os «28 homens do Panfilov» nunca existiram e que o seu ato heróico é uma invenção da propaganda soviética. O ministro russo de cultura, Vladimir Medinsky, criticou violentamente Sergey Mirinenko, chamando os que questionam a “lenda sacra” de “escória acabada”. A página Meduza.io analisa ao pormenor o mecanismo da fabricação dos elementos do mito soviético.

No dia de 16 de novembro de 1941, a 4ª companhia do 2º batalhão do 1075º regimento da 316ª divisão de infantaria do RKKA (posteriormente a 8ª divisão da guarda “Panfilov”) entrou em combate contra os blindados alemães. A companhia combateu heroicamente, morreram quase todos os seus elementos, mais de 100 pessoas.
"Ao CC do PC (b), ao camarada A. A. Zhdanov" (Arquivo estatal da federação russa)
Alguns dias depois, o correspondente do jornal militar soviético, “Estrela Vermelha” Koroteyev, encontrou, por acaso, o comissário Yegorov, afeto à 8ª divisão de “Panfilov”. Yegorov contou ao Koroteyev a história da batalha heróica da 5ª companhia (no início se falava da 5ª e não da 4ª companhia) que tinha ouvido do comissário do regimento que também não participou nos combates. Egorov aconselhou ao correspondente a escrever sobre o ato, após analisar os relatórios militares. Nos relatórios, de acordo com Koroteyev, estava escrito que a companhia estava “firme até a morte”, e apenas dois militares se acobardaram e pretendiam se render aos alemães, mas foram abatidos pelos camaradas. Nem o número de vítimas, nem os seus nomes eram mencionados no documento. Koroteyev não conseguiu chegar ao regimento e não falou com o comandante Kaprov, que também confirmou, mais tarde, de não falar com ninguém sobre o caso.

Em Moscovo, Koroteyev falou sobre o combate ao editor do jornal, David Ortenberg. Ortenberg perguntou o repórter duas vezes sobre o número de heróis mortos. Koroteyev disse que a companhia estava incompleta, por isso tinha, provavelmente cerca de 30 pessoas, mas dois eram traidores. Assim nasceu o número “28”, 30 menos dois (do relatório elaborado na base de investigação fatual, assinado em 10 de maio de 1948 pelo Procurador-chefe militar das forças armadas da URSS, Nikolai Afanasyev).
O jornal "Estrela Vermelha" de 27/11/1941
[A investigação revelou-se necessária porque desde 1942 começaram a aparecer vivos os militares pertencentes aos ditos “28 homens do Panfilov”, que foram dados como mortos. E quando apareceu o sétimo “ressuscitado”, começou a investigação. Os resultados foram entregues ao todo-poderoso Andrei Zhdanov, o secretário do Comité Central do PCUS de ideologia, e por várias décadas, ninguém sabia da sua existência].

No dia 27 de novembro de 1941 o “Estrela Vermelha” publicou um pequeno artigo “Os guardas Panfilov na batalha pelo Moscovo”. O artigo falava sobre o heroísmo da divisão Panfilov, e em particular sobre o combate da 5ª companhia. Koroteyev falou sobre a batalha, ele até inventava os nomes e os diálogos!

No dia seguinte, 28 de novembro, sobre o ato heróico dos “homens do  Panfilov” já se falava no editorial do “Estrela Vermelha”, escrito pelo secretário literário do jornal, Krivitsky, que sabia do combate apenas através do Ortenberg. O artigo era chamado de “Testamento dos 28 heróis caídos”. O texto contava, incluindo sobre o traidor, que foi executado devido a covardia. Mais tarde, Ortenberg, explicou que devido as razões de conveniência política foi decidido “diminuir” o número dois traidores.
O jornal "Estrela Vermelha" de 28/11/1941
Quando o local da batalha foi liberado dos alemães, Krivitsky, incumbido pelo Ortenberg, se dirigiu ao local para descobrir os detalhes da ato heróico do regimento. No local da batalha foram encontrados três corpos. O comandante Kaprov não sabia os seus nomes e Krivitsky recebeu a lista dos militares do comandante da 4ª companhia, Gundilovich, mas a origem da lista é desconhecida. No dia de 22 de janeiro de 1942 no “Estrela Vermelha”, saiu a reportagem detalhada sobre o feitio, onde, em primeira mão são citados os nomes dos 28 heróis. É neste artigo pela primeira vez apareceu o comissário Klotchkov (morto em combate em 16 de novembro de 1941; no artigo anterior era chamado de “Diev”), que alegadamente proferiu a frase lendária (e totalmente inventada): “Trinta tanques, amigos, <...> teremos que morrer nós todos, talvez. A Rússia é grande, mas não há para onde recuar – atrás está Moscovo!”. No artigo Krivitsky escreveu que os detalhes foram lhe contados pelo soldado moribundo, Natarov, mas mais tarde admitiu que esta personagem foi a sua própria invenção literária.
O jornal "Estrela Vermelha" de 22/01/1942
Em 21 de julho de 1942 todos os 28 “homens do Panfilov” foram condecorados com o título de Herói da União Soviética, à título póstumo. Apenas alguns meses antes, um dos homens, considerado, até então, como o herói morto foi preso – Daniil Kuzhebergenov foi acusado de se render voluntariamente aos alemães. Ele confessou ser o mesmo Kuzhebergenov da lista dos “28 homens do Panfilov”, mas disse que não participou na dita batalha. Após disso, o comandante do regimento, Kaprov solicitou que na lista dos condecorados seja colocado um outro Kuzhebergenov – Askar. No entanto, descobriu-se que nenhum Askar Kuzhebergenov estava registado, nem na 4ª, nem na 5ª companhia.

Em novembro de 1947 foi preso Ivan Dobrobabin, que também alegadamente tinha morrido na batalha lendária. Ele foi acusado de traição. Segundo os investigadores, Dobrobabin se rendeu aos alemães e em 1942 tornou-se o chefe de polícia auxiliar na aldeia de Perekop da região ucraniana de Kharkiv. Em 1943 foi preso pelas autoridades soviéticas, mas escapou, voltou aos alemães e retomou a sua posição. Durante a detenção, nos seus pertences foi achado o livro sobre o heroísmo dos “28 homens do Panfilov”, que Dobrobabin chamou de invenção. Quando se soube que estão vivas mais algumas pessoas da lista dos “28 heróis”, decidiu-se investigar as circunstâncias da famosa batalha, que, como se estabeleceu, nunca aconteceu na realidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

E eu assisti ao filme e fiquei comovido, pensando um monte de coisas sobre a guerra, o quanto os soldados sofreram, deram a vida para acabar com os nazistas... O ser-humano é podre mesmo, seja em que parte do mundo for. Não tem melhor, nem pior. A verdade é que não tem ninguém disposto a morrer na guerra. E faz todo sentido! Obrigado por esse texto esclarecedor!