quinta-feira, outubro 29, 2015

Moscovo: Fahrenheit 451 e os livros ucranianos (2)

O Comité de Investigação da federação russa decidiu prender a diretora da Biblioteca ucraniana de Moscovo, Natalia Sharina (58), acusada ao abrigo do artigo 282 (2ª parte) do Código Penal: “incitamento ao ódio e a hostilidade étnica, assim como a humilhação da dignidade humana” (processo criminal № 386502).

Segundo a investigação, em 2011-2015 a directora divulgava entre os visitantes (da Biblioteca) as obras do (autor ucraniano) Dmytro Korchinsky, considerados na Rússia extremistas e proibidos ao usufruto. Além disso, os investigadores do Comité aprenderam “os materiais impressos que continham o incitamento à propaganda anti-russa e anti-Rússia”, informou na página oficial do Comité, o chefe do departamento, Vladimir Markin.

Os materiais russófobos
Sabe-se que os agentes do Comité aprenderam cerca de 170 livros e revistas ucranianos, entre os quais a revista infantil “Barvinok”, por causa da imagem do militar ucraniano num blindado ucraniano com a bandeira da Ucrânia (edição dedicada ao Dia do defensor da Ucrânia), informou a edição Verdade Histórica.

O perigo do “nacionalismo ucraniano”
Natalia Sharina (58) no momento da sua detenção
No entanto, a ironia suprema reside no facto, revelado pelo co-diretor da organização “Ucranianos de Moscovo”, Valeriy Semenenko: a própria Natalia Sharina foi conduzida ao posto da diretora da Biblioteca, em 2007, exactamente para limpar a biblioteca do “perigo do nacionalismo ucraniano”. Valeriy Semenenko contou ao rádio moscovita “Govorit Moskva” (Fala Moscovo) que Sharina “zelosamente assumiu a limpeza, e agora, ela própria foi colhida pela pedra de moinho. O que é uma reviravolta do destino, por assim dizer”.
O ativista russo, Vsevolod Chernozub, bastante crítico à atuação passada da Sharina, conta, por exemplo, que a diretora costumava evocar as obras do Lenine para expulsar da Biblioteca o Clube do cinema independente. No entanto, o mesmo ativista denuncia as irregularidades do processo em curso: desde o momento da sua detenção às 8h20 do dia 28/10/2015 até acareação, com um dos delatores queixosos, à decorrer entre 16h15 à 18h30 do dia 29/10/2015, Natalia Sharina não recebeu alimentos, água, condições sanitários, nem possibilidade de poder dormir, se encontrando detida na esquadra de polícia moscovita, do bairro Tagansky. Além disso, a polícia russa conduziu as diversas interrogações no período noturno (Sic!), apenas com os advogados oficiosos, sem a presença do advogado da acusada.
Mas para perceber o clima social e jurídico da Rússia atual, vale à pena citar o depoimento de um dos denunciantes, o tal Sergey Sokurov, funcionário da Biblioteca entre 2007 à 2010 (o seja, entrou aos quadros juntamente com a diretora). Na resposta sobre os relacionamentos entre eles, Sokurov disse que “considera a suspeita de inimiga da Rússia, incompetente e gananciosa”. Na pergunta sobre o que sabe sobe o já citado ativista ucraniano Valeriy Semenenko, respondeu: “sabe que ele tem a atitude negativa em relação à Rússia. Apoia a Ucrainidade, o movimento político, que apoia as visões nazis dos Benderistas” (fonte), a sintaxe e ortografia conferem ao original.

O que eles querem?
Mas afinal, o que eles querem, o que precisa de acontecer para que a única biblioteca pública ucraniana da Rússia seja deixada em paz?
O deputado Zakharov na sua juventude e durante a ocupação da Crimeia em 2014 
O denunciante principal, cujo pedido formal desencadeou as buscas na Biblioteca e nos apartamentos da diretora e do Valeriy Semenenko, o deputado municipal do bairro moscovita de Iakimanka, Dmitri Zakharov, explicou a sua visão na entrevista ao rádio Govorit Moskva: «A biblioteca deve ser reformatada [...] deve se transformar na biblioteca que [...] reconhece que no território da antiga Ucrânia Socialista existe Ucrânia, a república popular de Donetsk e a república popular de Luhansk».

Bónus
O novíssimo mural em Kyiv, da autoria do muralista Guido van Helten, situado no boulevard “Lesya Ukrayinka”, № 36-b, foto ©Geo Leros.

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