quinta-feira, março 12, 2015

Os heróis sem as pernas: militares ucranianos na Áustria

Cinco soldados ucranianos que se tornaram deficientes de guerra no leste da Ucrânia estão em tratamento num centro de reabilitação na Áustria. A jornalista ucraniana Lidiia Akryshora visitou os ex-soldados e conversou com eles sobre as suas lesões e a sua nova vida de muletas.

Texto (versão curta): @Lidiia Akryshora *; fotos @Marko Mestrovic

Eu sou ucraniana que vive na Áustria, trabalhando e estudando. Eles são soldados que foram feridos no leste da Ucrânia. Todos perderam uma perna na guerra, um homem até mesmo ambas. Todos são esperados em casa por suas famílias, todos eles são os nossos heróis.

O primeiro soldado veio no início de fevereiro para Áustria. Enquanto isso, há cinco ex-soldados que foram enviados ao centro. Mais a seguir. A iniciativa que permitiu o tratamento vem da Associação austríaca dos deficientes da guerra (KOBV) e do fundo de caridade “Associação Internacional de Apoio à Ucrânia” (MAPU). A Associação de Vítimas de Guerra assumiu os custos da reabilitação.

O fundo MAPU (IASU) cuidou de todos os documentos necessários, viagem e questões organizacionais. “Estávamos envolvidos na iniciativa de pessoas que têm uma deficiência grave contraída na guerra, para oferecer melhores perspectivas para o seu futuro”, diz Michael Svoboda, o presidente da associação de vítimas de guerra.

O centro oferece um curto curso de fisioterapia, bem como ensina com lidar com a prótese. Além da aplicação da prótese, os soldados feridos na guerra praticam situações quotidianas, como subir escadas ou caminhar em diferentes andares. Além disso, a Diáspora ucraniana de Viena e da Bratislava, a Igreja Grego-católica ucraniana e a Embaixada da Ucrânia em Viena organizaram um programa cultural para os cinco homens.

Sem chance de salvar as pernas

Saschko Ch. ficou ferido na explosão de uma mina perto da cidade Horlivka, as duas pernas foram amputadas. Os cinco homens, quatro deles chamados Saschko (Oleksandr), vieram de todas as partes da Ucrânia, para lutar no leste do país contra os separatistas.

Sergiy R., lutou em Luhansk e Schastia, foi ferido em 5 de setembro de 2014
Saschko Ch., lutou em Horlivka e na aldeia Leninske, foi ferido em 28 de setembro de 2014
Saschko B., lutou em Stanutsia e Schastia, foi ferido em 6 de outubro de 2014
Saschko K., lutou na Sloviansk, foi ferido em 28 de junho de 2014
Saschko P., lutou em Ilovaisk, foi ferido em 29 de agosto de 2014

Saschko Ch. conta a sua história. Na vida civil ele era formador no curso de soldadores, também é dono de uma pequena empresa nesta área. Oito meses atrás este homem de 28 anos trocou as suas roupas de soldador pela uniforme militar verde. “Eu não podia consentir que os meus alunos de 20 anos de idade são chamados para o serviço militar e eu fico em casa”, diz ele.

O dia em que foi ferido foi gravado na memória do Saschko Ch. Era 28 de setembro, às 5h30 da manhã, quando ele, com um grupo de soldados ucranianos estava tentar evacuar os civis da aldeia Leninske, na região de Luhansk. O bombardeio separatista começou. Tudo ao redor estava minado, no caminho de volta para o ponto de controlo Saschko Ch. pisou uma dessas minas. “O meu turno terminou às 5h00 da manhã, na verdade, mas eu queria poupar os meus companheiros para que eles pudessem dormir”, explica Saschko Ch. Ele continua: “Graças a Deus que atingido foi eu, talvez fui escolhido porque sou mais forte”. O hospital mais próximo em Dzerzhinsky estava à 12 km de distância. Saschko Ch. tinha perdido muito sangue e veio com a pressão arterial baixa. De acordo com os médicos, não havia chances de salvar as suas pernas.

A vida após a morte

Durante a entrevista, os soldados falam de seu tempo no campo de batalha, os muitos sacrifícios que eles têm visto, a tristeza da morte e as suas vidas no futuro. Saschko Ch. recorda os seus amigos do primeiro batalhão do exército ucraniano que durante 242 dias defendeu o aeroporto de Donetsk. Muitos deles vieram da sua região natal – Kirovohrad. “Naquela época todos os dias havia algum funeral, mas estávamos indo voluntariamente para a frente”. Na defesa do aeroporto morreram cerca de 200 soldados ucranianos, muitos dos quais eram seus amigos. A vila natal do Saschko Ch. – Ulyanivka fica à 700 km de distância da frente da batalha. Os moradores estão com medo de que a guerra chegue às suas portas.

Saschko Ch. também relata vários casos de chamada síndrome do “Donbas”. É um transtorno mental de soldados que lutaram no leste da Ucrânia (as províncias de Luhansk e Donetsk, onde atualmente decorrem os combates também são, genericamente, chamados de Donbas). Os soldados com a síndrome do “Donbas” não conseguem lidar com o facto de que na capital Kyiv a vida continua como de costume, enquanto apenas à 600 quilómetros a leste a guerra diária mata as pessoas ou torná-os deficientes. Os homens me dizem que eles são pássaros com sorte por não terem ido diretamente para casa. Lá, eles teriam enlouquecido, face à normalidade quotidiana. Após o inferno do leste, eles se mudaram para o hospital e foram, portanto, capazes de se adaptar ao seu retorno à vida civil.

Humor é a salvação

Porque eu mal posso imaginar como é estar na frente da batalha, pergunto o que eles faziam quando as situações eram insuportáveis. “Brincadeiras”, responde Saschko Ch. com uma risada. Mas sem os companheiros ele não teria sobrevivido. “Meus companheiros me salvaram das balas. Meu único pensamento foi apenas que ninguém deveria morrer por minha causa”.
Soldado ucraniano ferido, foto do Pavlo Bishko

Gostaria de saber da onde vem essa descontracção. Nenhum deles se queixa. Saschko S., sobreviveu a morte clínica. Ele passou pelo cerco de Ilovaysk, na sequência do qual ficou três dias ferido numa prisão russa. O franco-atirador profissional, no entanto, ele está triste: “Eu costumava pensar que vou ver algo como isso apenas nos filmes”. Saschko S. aguarda com impaciência a sua viagem de volta para Ucrânia. Após a sua reabilitação ele pretende servir como instrutor militar no batalhão voluntário “Donbas”.

“Slava Ukraini”

“Sem pernas você não é um aleijado”, me anima Saschko Ch., no final da nossa conversa. Sim, dói. Sim, ele está com dor e ele não é tão ágil como gostaria de ser. Mas o jovem de 28 anos diz que aprendeu a lidar com isso. “Não é o pior que eu já vi”, diz ele, sorrindo, pensativo.

Passei várias horas com os soldados. Quando digo adeus, eles me acompanham à saída. Ao longo do caminho encontramos um grupo de pacientes. Quando eles vêem os soldados, eles sorriem para eles e dizem: “Dobryi Vechir”, “boa tarde” em ucraniano. Eu estou rindo, os austríacos têm um sotaque engraçado. Os soldados ucranianos ensinaram aos pacientes locais algumas palavras em ucraniano. A cumprimentá-los é particularmente importante: “Slava Ukraini” – “Glória à Ucrânia”.

* Lidiia Akryshora estudou jornalismo na Ucrânia e vive atualmente em Viena.

Ler o original em alemão “Helden ohne beine”:

Tradução portuguesa @Ucrânia em África

“Das Biber” é uma revista austríaca, publicada 10 vezes por ano com a tiragem média de 65.000 exemplares. O seu público maioritário são os “novos austríacos”, a última geração dos emigrantes.

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