domingo, novembro 02, 2014

A forma socialista de vida em fotografias

"As pessoas na fila", cidade de Novokuznetsk, 1982
O grupo artístico TRIVA era composto pelos fotógrafos soviéticos Vladimir Vorobiev, Vladimir Sokolaev e Aleksandr Trofimov, que no virar das décadas 1970-1980 trabalharam na Fábrica Metalúrgica de Novokuznetsk. Até o momento em que foram todos despedidos, sob acusação de “difamação da forma socialista de vida”. 
"Neve na bateria de coque", fábrica de coque químico, 27.11.1979  
Após perder os seus empregos, os fotógrafos, pela precaução, tiveram que destruir uma parte dos seus arquivos, mas começaram se dedicar à fotografia livre. “Pegávamos a câmara e em modo livre caminhávamos pelas ruas, chamando isso de “caça livre”, não tendo nenhum objetivo final. Somente deste modo eu voltava com um filme completo”, – conta Vladimir Sokolaev – um dos membros do grupo.   
"A festa de Maslenitsa dos mineiros", cidade de Novokuznetsk, 1984
(despedida do inverno, corresponde ao Carnaval católico)
Os membros da TRIVA não largavam as suas câmaras mesmo fora da fábrica e fora do horário de expediente. Como resultado, a maioria das suas fotografias retrata o dia-a-dia da cidade de Novokuznetsk na década de 1980.
"Colocação de gelo no estádio do (clube) Matallurg",
cidade de Novokuznetsk, 11.02.1984
O princípio do grupo era a rejeição de retoque e da manipulação das imagens. Mas o mais importante – a rejeição completa da encenação das fotos. Tudo o que acontece na imagem, acontece realmente; o fotógrafo nunca diz aos seus heróis como ficar mais fotogénico, não lhes pede para repetir o momento perdido.
"O registo solene do recém-nascido", o cartório do bairro central de Novokuznetsk, 1.10.1983 
Este princípio de não-intervenção era bastante atípico para as fotografias oficiais soviéticas, onde muitas vezes até mesmo as famosas fotos históricas (por exemplo, “A bandeira da vitória sobre o Reichstag”), eram encenadas posteriormente.
"As competições de ginástica produtiva do Comércio Industrial da Cidade",
escola número 62, cidade de Novokuznetsk, 10.04.1983
Na URSS, 90% das fotografias dos jornais eram tirados como no filme, começando com a seleção de adereços. Era necessário fotografar o herói tractorista? Vestiam-o com a roupa “mais adequada” e ele era colocado não ao lado do tractor em que trabalhava, mas ao lado de um tractor novo. Do fotógrafo exigia-se não a vida real, mas a vida “como deveria ser”, isso é, a vida editada para os fins ideológicos.
"A queimada da carcaça de frango"
Abandonar as encenações e começar fotografar vida real, inclusive em condições difíceis (por exemplo, dentro das unidades fabris), os fotógrafos conseguiram, em particular, devido ao facto de que nos meados de 1970-1980 eles obtiveram as câmaras estrangeiras: a japonesa “Canon” e alemã “Leica”. Pois, usando “Zenit” e outras câmaras soviéticas, muitas das coisas fotografadas pelo grupo, não seria possível conseguir tecnicamente.
"Os cavalheiros vão fazer a visita", cidade de Novokuznetsk, 1980
A rejeição completa da maquilhagem de realidade, ditou eventualmente, o fim da existência oficial do grupo. TRIVA foi oficialmente registado em 1981, conseguiu participar em 19 exposições (inclusive no estrangeiro), mas no início de 1982, os dirigentes comunistas e KGB suspeitaram na sua estilística a “difamação da forma socialista de vida”.
"O corredor da maternidade. (O copo do leite fermentado) kefir, após o parto",
1ª maternidade clínica, cidade de Novokuznetsk, 29 de junho de 1981 
Além do significado artístico, as fotos, todas datadas, são valiosos como um documento histórico: “Para nós, a fotografia de rua era a única maneira de fotografar livremente. Nós realmente registamos a história de nossa cidade. Não havia outra maneira. Nós não deixavam à participar, não convidavam. A nossa motivação era de fotografar a história, o que acontece, o que respira a cidade”, – explica Vladimir Sokolaev.
"Livraria. Departamento alfarrabista", rua Kirov, Novokuznetsk, 21.01.1983
Nas fotos do grupo realmente aparece muita coisa que os usuários pós-soviéticos das redes sociais chamam de “infância feliz sem Internet e telemóveis, mas com charcos, areia e pás plásticas”. As fotos permitem se afogar naqueles charcos e areeiros, reativando as memórias profundas dos que nasceram e viveram na URSS. Muitas destas fotografias são capazes de colocar os nostálgicos ligeiramente mais sóbrios. Alguém comentou que essas imagens podem servir como documentos de acusação no processo hipotético contra o Estado sob o nome da URSS.
"Grinalda para o cão", crianças na escola
Mas o mais importante, as fotografias funcionam como uma máquina do tempo: o espectador como se estivesse andando na cidade siberiana de 30 anos atrás – às vezes ele espia, despercebido, uma cena do quotidiano, por vezes, se encontra, de frente, com os habitantes do passado, e eles olham para viajante do tempo com desconfiança e curiosidade.
"Jogo de elástico", quintal na rua Toliatti, Novokuznetsk, 9 de maio de 1985
Esta foto em baixo é um pouco absurda e surreal, parece especialmente concebida, mas não é. A foto mostra um mestre que veio à unidade fabril para reparar o relógio, mas a bateria de coque por vezes emite os gases que embriagam a pessoa. O mestre bêbado saiu para a rua para apanhar o ar fresco e foi fotografado pelo Vladimir Vorobiev, que estava de passagem. 
"Serralheiro eléctrico na bateria de coque", fábrica metalúrgica, Novokuznetsk, 1980
Estas imagens são obras-primas, porque elas não são sobre os efeitos, mas sobre a vida humana, sobre as questões da vida. Por exemplo, “A felicidade que passa ao lado”, a situação comum na manifestação comunista transforma-se em parábola. E, tecnicamente, esta parábola é transmitida com clareza e precisão, não há nada de supérfluo, tudo trabalha para a mesma ideia.
"A felicidade que passa ao lado", Novokuznetsk, 1 de maio de 1983
"Sozinho no banheiro", enquanto a enfermeira coloca as calças secas numa criança,
outra espera a sua vez no banheiro, orfanato Nr. 2, Novokuznetsk, 29.05.1981
"Intervalo para fumar em cima da botija de gás"
Fontes:

Bónus
"As crianças brincam com o gatinho morto", cidade de Omsk, 2014
O blogueiro russo Ilya Varlamov fotografou em 2014 a cidade russa de Omsk, a urbe que serviu de local de exílio ao escritor Fiodor Dostoievski, entre 1849 e 1853.

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